quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Valores Constitucionais e Ensino Religioso

Por Aldir Guedes Soriano

Artigo originalmente publicado no Jornal Oeste Notícias

A comunidade internacional padece, atualmente, de muitos males como o aumento da violência urbana, o terrorismo e a intolerância. Diante desse quadro caótico, existe certo consenso no sentido de que, pelo menos em grande medida, a causa desses problemas mundiais pode estar relacionada a uma crise moral da humanidade ou simplesmente à falta de valores.

Onde a sociedade moderna pode encontrar valores morais úteis para enfrentar os seus problemas e desafios mais urgentes? A religião pode ser considerada uma fonte desses valores. Entretanto, esse ponto de vista é muito controvertido, uma vez que a sociedade é pluralista e 7% da população brasileira, por exemplo, não professa nenhuma religião.

Embora as diversas religiões possam ser consideradas depositárias de valores morais úteis para a construção de uma nação mais justa, o ensino religioso nas escolas públicas pode ser desastroso e atentatório ao pluralismo e à igualdade de direitos entre todos os cidadãos. Em outras palavras, tal ensino dificilmente poderá ser realizado sem a violação da própria Constituição. Por outro lado, mesmo sem o ensino religioso nas escolas públicas, as religiões certamente continuariam a contribuir, naturalmente, na formação de cidadãos responsáveis e preparados para viver em sociedade. Para isso, basta que a liberdade de consciência, de crença e de culto seja efetivamente respeitada pelo Estado.

O ensino religioso nas escolas públicas não se harmoniza com os ideais da democracia constitucional e liberal. Há, sem dúvida, o risco constante de serem atendidos apenas os interesses da religião majoritária e, também, de violação dos direitos das minorias religiosas existentes na sociedade. Cumpre lembrar que a democracia não pode sobreviver com o desrespeito dos direitos das minorias. Além disso, o Estado é laico e, por conseguinte, a religião é um assunto privado, que deve ser reservado à esfera familiar e às associações religiosas. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos, a educação religiosa infantil cabe, em primeiro lugar, aos pais. O Estado não-confessional entra num terreno muito perigoso quando tenta definir o que é religião ou mesmo quando pretende assumir ou financiar a tarefa de promover a instrução religiosa de suas crianças e adolescentes.

Se o Estado não pode recorrer diretamente às religiões para promover valores morais úteis à sociedade, sem violar os direitos das minorias religiosas e dos ateus, como, então, enfrentar a mencionada crise moral? A resposta está nas Constituições dos diversos Estados democráticos. É típica das Constituições democráticas a inserção de uma parte dogmática que nada mais é do que um catálogo de princípios ou direitos humanos fundamentais. Esse catálogo contém valores que foram reconhecidos por lei. Destacam-se na Constituição Federal de 1988, por exemplo, os Super-Valores ou Super-Princípios, tais como Vida, Liberdade, Igualdade, Segurança e Propriedade.

Todos esses valores reconhecidos pela Constituição podem ser ensinados pelo Estado, sem tocar num tema tão complexo, delicado e controvertido como a religião. Seria de grande valor uma disciplina sobre direitos e deveres fundamentais do cidadão a partir do ensino fundamental. Isso porque, a cada direito assegurado pela Carta Política corresponde também um dever imposto a todos os cidadãos.

É interessante notar que a Constituição Federal de 1988 também positivou outros valores igualmente relevantes e que merecem ser ensinados, como o pluralismo, a fraternidade, a solidariedade e, também, o princípio da dignidade da pessoa humana. Não é essa a sociedade que se pretende construir: uma sociedade fraterna, livre, pluralista e sem preconceitos? A sociedade brasileira possui esses valores na sua própria Constituição.

Em suma, o Estado não precisa recorrer à religião para ensinar valores úteis à sociedade. Ele pode utilizar os princípios constitucionais e, também, a filosofia dos pensadores liberais como Locke, Voltaire e John Rawls. A democracia seria sensivelmente ampliada se o cidadão fosse incentivado a ler e a interpretar a Constituição. Essa leitura não pode ser restrita aos juristas ou aos operadores do direito. Toda a sociedade deveria ser estimulada a ler e a interpretar a Constituição.

Este artigo pode ser citado da seguinte forma:
SORIANO, Aldir Guedes. Valores Constitucionais e Ensino Religioso. In: Jornal Oeste Notícias. Presidente Prudente-SP, 24 de março de 2007, Caderno 1.2.

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