sábado, 6 de setembro de 2008

A Lei na Bíblia

A lei no mundo antigo
“Olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe” (Ex 21, 24,25). Esta, a lei do talião (Lv 24, 17-20; Dt 19,21) que se encontra no código de Hamurábi e nas leis assírias, de natureza social e não individual.Prevendo um castigo igual ao dano causado, visa a limitar os excessos da vingança.“Lamec disse às suas mulheres: Ada e Sela, ouvi a minha voz, mulheres de Lamec, escutai a minha palavra: Eu matei um homem por uma ferida, uma criança por uma contusão. É que Caim é vingado sete vezes, mas Lamec, setenta e sete vezes!” (Gn 4, 23-24).O caso mais claro é a execução de um assassino (Ex 21, 31-34; 21,12-17+; Lv 24,17). De fato, a aplicação dessa regra parece ter perdido desde muito cedo a sua brutalidade primitiva. As obrigações do “vingador do sangue” (Nm 35,19+) foram se purificando até se limitarem ao resgate (Rt 2,20+) e à proteção (Sl 19,15+; Is 41,14+). O enunciado do princípio continua em uso, mas sob formas mais brandas (Eclo 27. 25-29; Sb 11, 16+; 12,22). O perdão era prescrito no interior do povo israelita (Lv 19, 17-18; Eclo 10,6; 27,30-28,7) e Cristo acentuará ainda mais o mandamento do perdão (Mt 5,38-39+; 18,21-22+).Encontrado em Susa, em 1902, o Código de Hamurábi foi o primeiro paralelo extrabíblico com a lei bíblica do antigo Oriente Médio. A partir dessa data, foram descobertas a coleção suméria de Lipit-Ishtar, as leis acadêmicas de Eshnunna, as leis assírias, as leis hititas e algumas leis neobabilônicas.A maioria é mais antiga do que as leis israelitas. As leis de Lipit-Ishtar remontam a 1900-1850 a. C., as leis de Eshnunna a mais ou menos o mesmo período, as leis de Hamurábi (1728-1686), pouquíssimo posteriores, as leis assírias em sua forma típica do século XII, as próprias leis do século XV, as leis hititas em sua forma peculiar ao século XIII e cuja origem pode ser situada no século XVII; as leis neobabilônicas provavelmente provêm do século VII. Essas coleções, quando comparadas com as coleções israelitas e quando confrontadas entre si, levam os exegetas a concluírem em favor da existência de uma lei geral amplamente difundida no antigo Oriente Médio, que variava em pormenores, porém não em princípios, de uma coleção para outra.Pela comparação, evidencia-se que a lei israelita civil e criminal é um produto dessa lei geral. Mas a comparação não é provável em todos os detalhes; nenhuma das coleções está completa, e todas, com exceção da peça danificada de Hamurábi, foram conservadas apenas em fragmentos.Hamurábi fez para as leis uma introdução que consta de um prólogo histórico e termina-as com um epílogo que inclui imprecações contra os que alteram as leis. Lipit-Ishtar possui um fração de um epílogo histórico. Pode-se concluir que o prólogo e o epílogo aparecem em todas as coleções.Lendo o prólogo e o epílogo, a gente percebe que as leis não foram recebidas por meio de revelação divina; Hamurábi recebe dos deuses a delegação e a autoridade para escrever as leis e, ainda, a sabedoria necessária para escrevê-las bem, mas, apesar disto, as leis são uma composição dele.Tal composição é exagerada; o rei fala como se nunca tivesse havido outra lei antes da sua coleção. Lipit-Ishtar também fala do encargo que recebeu como rei.Além de alguns princípios e práticas em comum, todas essas leis apresentam a mesma formulação. O caso é descrito numa cláusula condicional e a decisão, penalidade ou compromisso são afirmados na apódose.“Se a mulher de um senhor for acusada pelo seu esposo, mas não tiver sido apanhada em flagrante, enquanto mantinha relações sexuais com um outro homem, ela poderá fazer um juramento por deus e voltar para sua casa” (Hamurábi 133). Essa formulação é conservada mesmo quando a descrição do caso e uma colocação complexa tornam a sentença inflexível. Deve-se supor que isso fosse tradicional e comum até o princípio do II milênio.
P..S.: Artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias-MA), em 10/07/2005.
A lei nos dez mandamentos
As leis israelitas estão contidas principalmente em coleções (impropriamente chamadas de códigos), como o decálogo, o código da aliança, o “decálogo ritual javista”, o código deuteronômico, o código da santidade e o código sacerdotal. Os dez mandamentos são encontrados em duas formulações ligeiramente diferentes, ou seja, no Êxodo 20 e no Deuteronômio 5.O fato de terem sido as dez palavras ou mandamentos entregues por Deus a Moisés no Monte Sinai está incorporado à antiga tradição hebraica (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4).Sua enumeração, no entanto, tem sido considerada de modos diversos nos tempos modernos.Para Filon (25 a.C.–50 d.C.), Josefo (37 a.C.–95 d.C.) e toda a patrística (século.I–século IX), elas são: 1) proibição de deuses falsos ou estrangeiros; 2) proibição de imagens; 3) uso do nome divino em vão; 4) sábado; 5) genitores; 6) homicídio; 7) adultério; 8) furto; 9) falso testemunho; 10) cobiça.Para Orígenes (185–254), Clemente de Alexandria (150–216), Agostinho (354–430) e a atual igreja latina, são: 1) proibição dos falsos deuses; 2) uso do nome divino em vão; 3) sábado; 4) genitores; 5) homicídio; 6) adultério; 7) furto; 8) falso testemunho; 9) cobiça da mulher; 10) concupiscência dos bens.Para os hebreus modernos, são: 1) Introdução: “Eu sou Iahweh teu Deus...”; 2) proibição dos falsos deuses e das imagens; 3) uso do nome divino em vão; 4) sábado; 5) genitores; 6) homicídio; 7) adultério; 8) furto; 9) falso testemunho; 10) cobiça.Os primeiros quatro mandamentos estabelecem deveres para com Deus, ao passo que os outros seis instituem obrigações para com os homens; os genitores, fontes da vida, são representantes de Deus. É provável que nenhuma das duas listas (Ex e Dt) apresente a forma primitiva do decálogo. Os intérpretes acham que originalmente os dez mandamentos fossem breves, como os do homicídio, do adultério, do furto e do falso testemunho. Os outros devem ter sido desenvolvidos com o acréscimo de razões religiosas para a sua observância. As motivações são ligeiramente diferentes nas duas redações.É assim que o mandamento do sábado se baseia numa referência à criação em seis dias, seguidos do repouso no sétimo dia, como está registrado em Gn 1, 1-2,3.A forma original da proibição da concupiscência foi expandida em dois sentidos. Em Ex, há um primeiro acréscimo com a menção à casa, que cobre todas as propriedades do próximo; depois o preceito foi aumentado ainda mais com a enumeração da mulher, dos escravos e dos animais domésticos. Em Dt, o primeiro adendo foi a menção explícita e especial da mulher; depois a norma foi estendida à casa, aos escravos e aos animais.No Novo Testamento, há alusão a mandamento em particular, mas não se encontra nenhuma referência aos mandamentos como grupo de dez.As proibições do homicídio (Mt 5,21) e do adultério (Mt 5,27) no Sermão da Montanha são citadas em paralelo com o Dt 24,1 (Mt 5,31); o mesmo ocorre com a fusão de Ex 20,7, Nm 30,3 e Dt 23,22 (Mt 5,33) e de Ex 21,24 (Mt 5,38) e Lv 19,18 (Mt 5,43).Essa, a lei que Jesus não veio para destruir, mas sim para aperfeiçoar. Todas as citações provêm da Torá, a suprema autoridade do judaísmo. Ex. 20,12 é citado em Mt 15,4 e Ef 6,2-3. Dt 5,17-21 é citado em Rm 13,9. Ex 20,13s (Dt 5,17s) é citado em Tg 2,11.Quando o jovem lhe perguntou quais eram os mandamentos, Jesus citou alguns dos dez, mas não todos e nem na ordem usual.
P..S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 17/07/2005.
A lei no código da aliança
Código da aliança: “Não fareis deuses de prata ao lado de mim, nem fareis deuses de ouro para vós” (Ex 20, 22). “Eles não habitarão na tua terra, para que não te façam pecar contra mim, pois se servires aos seus deuses, isso te será uma cilada” (Ex 23, 33). “Far-me-ás um altar de terra, e sobre ele sacrificarás os teus holocaustos e os teus sacrifícios de comunhão, as tuas ovelhas e os teus bois. Em todo o lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, virei a ti e te abençoarei. Se me edificares um altar de pedra não o farás de pedras lavradas, porque se levantares sobre ele o cinzel, profaná-lo-ás. Nem subirás o degrau do meu altar, para que não se descubra a tua nudez” (Ex 20, 22-26). O nome código da aliança provém da expressão o livro da aliança (Ex 24, 7). É possível que esta coleção tenha sido inserida fora do seu contexto adequado, e que o livro da aliança de Ex 24, 7 seja o decálogo. Mas a sua inserção pretendia incluir o código da aliança como parte da aliança do Sinai; eram essas as leis que Israel devia observar como obrigações decorrentes da aliança. Atribuído a Moisés, o código da aliança goza da suprema autoridade que Israel conferia a todas as suas leis. Certamente ele é o mais antigo dos códigos depois do decálogo. No entanto, alguns críticos o colocam antes dos dez mandamentos.A sua data só pode ser determinada de maneira relativa, e é deduzida do ambiente social e econômico que lhe servia de fundo. Não se trata de vida nômade; logo, o código pressupõe a posse de gado, cisternas, campos de trigo e plantações de vinha. Esta coletânea de leis e costumes pressupõe uma coletividade já sedentária e agrícola.Pensou-se que ela remonta, por seu fundo primitivo, aos primeiros séculos da instalação em Canaã, talvez antes da monarquia, pois o rei nunca é mencionado; mas a época de origem é difícil de determinar.As suas escassas referências a transações comerciais supõem um período anterior à monarquia. Sua data, portanto, deve situar-se mais provavelmente no período pré-monárquico.As leis civis e criminais (Ex 21, 1-22, 17), que mostram diversos pontos de contato com o código de Hamurabi, são a adaptação israelita da lei costumeira cananéia ao próprio povo de Israel. Seus contatos com o código de Hamurabi, o código hitita e o decreto de Horemheb não testemunham um empréstimo direto e sim uma fonte comum: um direito consuetudinário que se diferenciou conforme os ambientes e os povos.As prescrições do código, conforme seu conteúdo, podem ordenar-se sob três partes: direito civil e penal (Ex 21, 1-22, 20); regras para o culto (Ex 20, 22-26; 22, 28-31; 23, 10-19) e moral social (22, 21-27; 23, 1-9). Segundo a sua forma literária, essas prescrições dividem-se em duas categorias: “casuística” ou condicional, no gênero dos códigos mesopotâmicos; “apodítica” ou imperativa, no estilo do decálogo e nos textos da sabedoria egípcia.As leis de Ex 20, 22-26, 22, 18-23, 19 são humanitárias e religiosas, e têm uma formulação diferente das leis civis e criminais; estas são, com maior probabilidade, especificamente israelitas. O epílogo do código da aliança pode ser comparado ao desfecho de Hamurabi e a outras coleções israelitas. A sua inserção no seu contexto atual fez de toda a revelação do Sinai seu prólogo histórico.
P..S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 24/07/2005.
A lei no código deuteronômico
Ao contrário de outras coleções, esse compêndio de leis não se encontra num só lugar, mas espalhado em várias fontes. Exemplo: Lv 1-7, sacrifício; Lv 11-13, pureza e impureza; Nm 29, 29, festas.É característica sua colocar a lei dentro de um contexto histórico, isto é, relacionando a origem da instituição com algum acontecimento nem sempre histórico no seu sentido genuíno. Foi assim com a proibição de sangue depois do dilúvio (Gn 9, 1-7), a lei da circuncisão que se segue à aliança feita com Abraão (Gn 17, 9-14), o ritual da Páscoa por ocasião da saída do Egito (Ex 12), a lei do sacerdócio no Sinai (Ex 28, 1; 29, 37), a lei dos levitas na partida do Sinai (Nm 3-4; 8, 5-28) e outras leis referentes aos sacerdotes e levitas depois da rebelião de Coré (Nm 16).Há outras leis rituais e cultuais que não possuem um contexto particular nos acontecimentos e são atribuídas a Moisés. Com certeza, impossível fazer um julgamento geral sobre a antiguidade delas, cuja origem deve ser estabelecida individualmente para cada caso. Muito provável que esse código seja, em muitos casos, uma lei sacerdotal, pois algumas leis rituais e cultuais tinham em vista ninguém mais a não ser os sacerdotes.Os termos israelitas para a lei, no sentido original, referem-se a leis definidas de forma e conteúdo distintas.Tôrah é o vocábulo mais comum para designar a lei no judaísmo. A sua etimologia diz que ele deriva de yarah, jogar ou deitar sortes. Assim, o seu sentido original é o do oráculo divino, revelado pela sorte. Daí ele passa a significar uma resposta divina, de modo geral. Como as respostas divinas eram comunicadas pelos sacerdotes, ele chega a exprimir a instrução sacerdotal referente a preceitos cultuais e morais. É assim mencionada em Is 8, 20; Jr 2, 8; 18, 18; Am 2, 4. A palavra enfatiza a lei como revelação de Yahweh, transmitida pelos sacerdotes.’Edôt, testemunhos. Expressão técnica usada para os termos da aliança de Yahweh com Israel, e que designa ou as promessas de Yahweh ou as obrigações que ele impõe a Israel. Por isso, o rei usava uma fórmula escrita do ’edôt na sua coroação (2Rs 11, 12). A dição ressalta a vontade revelada de Yahweh nas leis e também a concepção de lei como obrigação da aliança. Mishpat, juízo, indica uma decisão judicial. Palavra aplicada às leis civis e criminais (Ex 21, 1). Precedente judicial como fonte da lei, pode ser identificado com a formulação casuística de lei. Diversamente de tôrah,’edôt e dabar, exprime a origem humana da lei. Hôd, estatuto, literalmente, algo que ficou gravado. A sua fonte parece ser mais a autoridade pública do que um precedente judicial ou um costume.Dabar, palavra, quer dizer um pronunciamento divino e é usado para leis tão solenes como o decálogo (Ex 20, 1; 24, 3, “palavras e juízos”). Dá especial destaque à lei como sendo a vontade revelada de Yahweh e pode, mais provavelmente, ser identificada com a formulação apodítica da lei. Miçwah, mandamento, traduz a ordem emitida pela autoridade, tanto divina quanto humana, e é um termo geral que se aplica a outras ordens e não apenas à lei no sentido estrito.Na época antiga não havia ordenação propriamente dita. Era a própria função que fazia o sacerdote entrar no domínio do sagrado, iniciando o seu sacerdócio, oferecendo sacrifícios no altar, o que é a sua função essencial (Lv 1 5+), com a participação de toda a comunidade e prestando obediência ao seu código de leis.P.S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 14/08/2005.

A lei no código da santidade
O código da santidade está reunido num só lugar, no livro do Levítico, nos capítulos 17-26, assim: 17, proibição de ingerir sangue; 18, incesto e vícios contra a natureza; 19, leis morais, cultuais e humanitárias; 20, 1-6, culto supersticioso e mágico; 20, 7-9, respeito filial; 21, 20-21, adultério, vício contra a natureza, incesto; 20, 22-26, puros e impuros; 20, 27, feitiçaria; 21, os sacerdotes; 22, 1-16, pureza dos sacerdotes e dos leigos; 22, 17-23, qualidades e defeitos dos animais sacrificais; 23, festas; 24, 1-4, a lâmpada do santuário; 24, 5-9, o pão da proposição; 24, 10-23, blasfêmia; 25, 1-7, o ano sabático; 25, 8-55, o ano jubilar, escravidão; 26, 1-2, idosos e sábado; 26, 3-46, epílogo de bênçãos e maldições.A base da lei de santidade (Lv 17-26) parece remontar ao fim da época monárquica e representar os usos do templo de Jerusalém. Encontram-se nela contatos evidentes com o pensamento de Ezequiel, que aparece assim como o desenvolvimento de um movimento pré-exílico.A santidade é um dos atributos essenciais do Deus de Israel (Lv 11, 44-45; 19, 2; 20, 26; 21, 8; 22, 32s). A idéia primeira é a de separação, de inacessibilidade, de transparência que inspira temor religioso (Ex 32, 20+).Essa santidade comunica-se àquele que se aproxima de Deus ou lhe é consagrado: os lugares (Ex 19, 12+), as épocas (Ex 16, 23; Lv 23, 4), a arca (2Sm 6, 7+), as pessoas (Ex 19, 6+), especialmente os sacerdotes (Lv 21, 6), os objetos (Ex 30, 29; Nm 18, 9) etc.Devido à sua relação com o culto, a noção de santidade liga-se à de pureza ritual: a lei de santidade é igualmente lei de pureza. Contudo, o caráter moral do Deus de Israel espiritualizou essa concepção primitiva: a separação do profano torna-se abstenção do pecado, e à pureza ritual une-se a pureza da consciência (Is 6, 3+).O código da santidade possui o epílogo, mas não o prólogo histórico; como o prefácio costuma ser encontrado com tanta freqüência, é provável que ele tenha sido destacado quando o código da santidade foi inserido em seu contexto presente, que, na opinião dos críticos, não é o original. Ele não contém a lei civil nem criminal, mas é inteiramente religioso e cultual. Os críticos acham que se trata de uma compilação exílica (cerca do ano 550 a.C. ou em época monárquica posterior) de material cuja antiguidade é indeterminada, existindo talvez nele elementos tão vetustos quanto o que há de mais antigo nas coleções israelitas.Essa coletânea de textos possui uma formulação característica. A natureza do material sugere que o código de santidade em suas origens esteja mais intimamente ligado aos sacerdotes do que o código da aliança ou o código deuteronômico.O código da santidade tem uma série notável de preceitos morais em Lv 19 e as leis mais extensas de todas as existentes a respeito do matrimônio e da moralidade sexual.
P.S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 07/08/2005.
A lei no código sacerdotal
Ao contrário de outras coleções, esse compêndio de leis não se encontra num só lugar, mas espalhado em várias fontes. Exemplo: Lv 1-7, sacrifício; Lv 11-13, pureza e impureza; Nm 29, 29, festas.É característica sua colocar a lei dentro de um contexto histórico, isto é, relacionando a origem da instituição com algum acontecimento nem sempre histórico no seu sentido genuíno. Foi assim com a proibição de sangue depois do dilúvio (Gn 9, 1-7), a lei da circuncisão que se segue à aliança feita com Abraão (Gn 17, 9-14), o ritual da Páscoa por ocasião da saída do Egito (Ex 12), a lei do sacerdócio no Sinai (Ex 28, 1; 29, 37), a lei dos levitas na partida do Sinai (Nm 3-4; 8, 5-28) e outras leis referentes aos sacerdotes e levitas depois da rebelião de Coré (Nm 16).Há outras leis rituais e cultuais que não possuem um contexto particular nos acontecimentos e são atribuídas a Moisés. Com certeza, impossível fazer um julgamento geral sobre a antiguidade delas, cuja origem deve ser estabelecida individualmente para cada caso. Muito provável que esse código seja, em muitos casos, uma lei sacerdotal, pois algumas leis rituais e cultuais tinham em vista ninguém mais a não ser os sacerdotes.Os termos israelitas para a lei, no sentido original, referem,-se a leis definidas de forma e conteúdo distintas.Tôrah é o vocábulo mais comum para designar a lei no judaísmo. A sua etimologia diz que ele deriva de yarah, jogar ou deitar sortes. Assim, o seu sentido original é o do oráculo divino, revelado pela sorte. Daí ele passa a significar uma resposta divina, de modo geral. Como as respostas divinas eram comunicadas pelos sacerdotes, ele chega a exprimir a instrução sacerdotal referente a preceitos cultuais e morais. É assim mencionada em Is 8, 20; Jr 2, 8; 18, 18; Am 2,4. A palavra enfatiza a lei como revelação de Yahweh, transmitida através dos sacerdotes.’Edôt, testemunhos. Expressão técnica usada para os termos da aliança de Yahweh com Israel, e que designa ou as promessas de Yahweh ou as obrigações que ele impõe a Israel. Por isso, o rei usava uma fórmula escrita do ’edôt na sua coroação (2Rs 11, 12). A dição ressalta a vontade revelada de Yahweh nas leis e também a concepção de lei como obrigação da aliança. Mishpat, juízo, indica uma decisão judicial. Palavra aplicada às leis civis e criminais (Ex 21, 1). Precedente judicial como fonte da lei, pode ser identificado com a formulação casuística de lei. Diversamente de tôrah,’edôt e dabar, exprime a origem humana da lei. Hôd, estatuto, literalmente, algo que ficou gravado. A sua fonte parece ser mais a autoridade pública do que um precedente judicial ou um costume.Dabar, palavra, quer dizer um pronunciamento divino e é usado para leis tão solenes como o decálogo (Ex 20, 1; 24, 3, “palavras e juízos”). Dá especial destaque à lei como sendo a vontade revelada de Yahweh e pode, mais provavelmente, ser identificada com a formulação apodítica da lei. Miçwah, mandamento, traduz a ordem emitida pela autoridade, tanto divina quanto humana e é um termo geral que se aplica a outras ordens e não apenas à lei no sentido estrito.Na época antiga não havia ordenação propriamente dita. Era a própria função que fazia o sacerdote entrar no domínio do sagrado, iniciando o seu sacerdócio, oferecendo sacrifícios no altar, o que é a sua função essencial (Lv 1 5+), com a participação de toda a comunidade e prestando obediência ao seu código de leis.P.S.: Artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias-MA), em 14/08/2005.
A lei no judaísmo
A formulação da lei israelita é encontrada nas leis civis e criminais do código da aliança. O mesmo existe no código deuteronômico, com certas variantes. Em vez da oração condicional, emprega-se ou o particípio ou a oração relativa.Exemplo da primeira está em Ex 21, 15: ”Quem ferir seu pai ou sua mãe será morto.” A segunda é ilustrada por Lv 20, 10: ”O homem que cometer adultério com a mulher do seu próximo deverá morrer, tanto ele como a sua cúmplice.”Na maioria dos outros códigos, aparece um simples imperativo ou proibição na segunda pessoa do singular e no imperfeito. Essa formulação não encontra paralelo em outras coleções do antigo Oriente Médio. É empregado nas leis morais, rituais e cultuais, e não em leis civis e criminais. Isso é uma criação da crença religiosa israelita. Essas leis exprimem a vontade revelada de Yahweh e os termos da aliança. O rei israelita era um juiz, e não um legislador. A fonte da lei consuetudinária era o próprio costume; muitas leis existiam simplesmente porque constituíam a maneira como as coisas sempre tinham sido feitas. O juiz decidia com base no costume conhecido e aceito. Geralmente, a fonte da lei israelita era a tradição determinada pelo juiz: o rei, o ancião e o sacerdote. As coleções israelitas são todas atribuídas à revelação que Yahweh fez a Moisés. A obrigação do cumprimento de sua lei decorria da aliança, de que a vida sob a submissão à lei constituía o dever que as promessas da aliança de Yahweh lhes impuseram.Em Israel não existia distinção entre a lei secular e a lei religiosa. Toda a lei é encarada como um dever religioso e impõe uma obrigação sagrada. Yahweh é quem recompensa e castiga sua observância ou a sua violação.A concepção da lei como a vontade revelada de Deus não encontra semelhança em outras coleções do antigo Oriente Médio. Tanto Hamurabi como Lipit-Ishtar recebem dos deuses a autoridade necessária para promulgar leis e a sabedoria requerida para formulá-las; mas as leis são resultantes de sua própria obra, de sua obra pessoal. Depois do exílio, a lei deixou de ser a regra que regia uma sociedade política independente; o judaísmo preservou-a, no entanto, fazendo dela um guia para a vida. O termo Torá (Tôrah) é usado para descrever toda a lei, uso que aparece também em textos pré-exílicos (Jr 8, 8; 9, 12; Os 4, 6; 5) e chega a exprimir o Pentateuco (2Mc 15, 9; Eclo 1, prólogo 1. 8. 24).Os escribas pós-exílicos identificam a lei com a sabedoria (Eclo 24; 39, 1-11) e nela encontram todo o conhecimento, humano e divino. A alegria dos judeus diante da lei reflete-se na Torá e nos salmos 19 e 119.Os rabinos incluíam a Torá entre os seres que existiam antes da criação. Por isso, a observância da lei era perfeição. Surgiu no judaísmo uma escola de fé que interpretava as obrigações da lei no sentido mais rigoroso. Para proteger o cumprimento da lei, seus adeptos “construíram um muro” em torno da lei; o muro consistia em pareceres ou normas legais que ampliavam as obrigações da lei muito além do sentido das palavras e, assim, tornavam-na mais difícil de ser violada. Essa, a “lei oral”, à qual se atribuía o segundo lugar em autoridade somente em relação à própria Torá, e cuja origem, mediante uma construção artificial, remontava ao próprio Moisés. Ela estava preparada para incluir 613 “mandamentos” diferentes.
P.S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 21/08/2005.
A lei no novo testamento
No século II a.C., Ptolomeu II Filadelfo (283-246 a.C.) desejava ter, na grande biblioteca que fundara em Alexandria, uma versão do hebraico para o grego dos livros sagrados dos judeus. A seu pedido, 72 homens, seis de cada uma das 12 tribos, foram enviados a Jerusalém para fazer a tradução (LXX), que foi realizada para a grande comunidade judaica daquela cidade. A partir dessa época, foi introduzido o termo grego nomos (lei), para trasladar tôrah, significando a lei como tal, o pentateuco, o Antigo Testamento completo, o decálogo ou uma lei particular do pentateuco.Jesus observou a lei e nunca aceitou a acusação de que a houvesse violado; quando era incriminado disso, insistia que se tratava da lei oral, tradição humana (Mt 15, 3-6; Mc 7, 8s.13; Cl 2, 8), e não da torá, em que se baseava a censura (Mt 15; Mc 7).A atitude de Jesus em face da lei deve ser descrita como negativa. Os publicanos e os pecadores precedem os escribas e fariseus no reino dos céus (Mt 21, 28-32), e os pecadores arrependidos são melhores do que os justos que não têm arrependimento (escribas e fariseus, Lc 15, 1-10).As bem-aventuranças (Mt 5, 3-10) não contêm nenhum elogio à observância da lei. O reconhecimento por parte do Pai celeste depende da confissão de Jesus (Mt 10, 32s; Lc 12, 8s). Assim, Jesus declara-se o senhor do sábado (Mt 12, 8; Mc 2, 28; Lc 6,5). O publicano arrependido é perdoado, ao passo que o fariseu justo não o é (Lc 18, 9-14). Aqueles que obedecem a todas as ordens do seu senhor são servos inúteis que não fazem mais do que o seu dever (Lc 17, 7-10). Os escribas e fariseus apropriaram-se da chave do reino dos céus, de modo que nem eles entram nem permitem que outros entrem (Mt 23, 13: Lc 11, 52).A lei em relação às palavras de Jesus assemelha-se a um remendo de pano novo colocado numa roupa velha, ou ao vinho novo guardado em odres velhos (Mt 9, 16-17; Mc 2, 21-22) Lc 5, 36-37). Jesus, como filho do reino, está livre das obrigações impostas pela lei (Mt 17, 24-27). Ele não hesita em repetir e confirmar a lei (Mt 5, 21-48), e o tratamento que lhe dá aqui não tem nada da maneira rabínica; sua antítese é: “Dizia-se” e “Eu digo”. Por outro lado, a atitude de Jesus não é a de uma rejeição puramente negativa. Sua missão não consiste em anular a lei, mas em levá-la ao seu cumprimento pleno, e entra-se no reino dos céus mediante a observância da lei (Mt 5, 17-20). Quando lhe perguntaram como se alcança a vida eterna, sua resposta foi: “observa os mandamentos” (Mt 19, 16-19; Mc 10, 17-19; Lc 18, 18-20). Ele reduz toda a lei ao mandamento do amor a Deus e ao próximo (Mt 22, 34-40; Mc 12, 28-34; Lc 10, 25-28). A justiça de seus discípulos deve superar a dos escribas e fariseus (Mt 5, 20). Os escribas e fariseus capricham nas minúcias da observância e omitem a virtude essencial; eles deveriam praticar as primeiras sem desprezar a segunda (Mt 23, 23s). Essa dupla atitude deve ser relacionada com a concepção mais larga da missão de Jesus. Ele rejeita a lei como um meio suficiente de chegar-se à justiça; além da lei, a pessoa deve aceitar Jesus como alguém cujas palavras não são apenas iguais à lei, mas como alguém que vem como um novo Moisés para revelar o Pai.A lei em si é um meio insuficiente para se atingir a Deus; ela precisa ser cumprida plenamente, alcançar sua plenitude nele, Jesus. A lei é fundamentalmente aquilo que Jesus insiste que ela é: a vontade revelada de Deus. Os que aceitam essa revelação não podem fazer dela um pretexto ou uma desculpa para rejeitar a plenitude da revelação de Deus para a qual a lei se orienta.


A lei nos escritos paulinos
A atitude de Paulo diante da lei é universalmente atingida pelo problema da lei aplicada ou não aos gentios convertidos ao cristianismo. A primeira reação da comunidade cristã em face da aceitação dos gentios foi a de que esses deveriam primeiro tornar-se judeus para depois se fazerem cristãos; é lógico que os judeus os julgavam, colocando-se na situação de uma comunidade judaica.A Igreja primitiva, porém, rejeitou essa exigência; no Concílio de Jerusalém aceitou a declaração de Pedro, de que tanto os gentios quanto os judeus se salvavam pela graça de Jesus Cristo (At 15, 11), e a afirmação de Paulo, de que o homem se torna justo não pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo (Gl 2, 16).O problema especulativo do sentido e do valor da lei não ficou resolvido tão facilmente quanto o problema prático de sua observância. Porque a lei é para Paulo a vontade revelada de Deus e, por isso, seria impossível rejeitá-la.Para ele era evidente que a vida e a santidade vêm por meio de Jesus Cristo e não mediante a lei (Gl 2, 21). Se o batismo é uma morte para a vida que se vivia antes, a pessoa batizada é libertada do jugo da lei (Rm 7, 1-6). Jesus Cristo realizou o que seria impossível a lei fazer: libertar do pecado, que também é uma “lei” (Rm 8, 1-3). Paulo recorre à história de Israel para mostrar que a lei não constituía uma barreira efetiva ao pecado (Rm 2, 17-24); na verdade, a lei não é melhor do que a “lei“ que os gentios trazem em seus corações e que os faz praticar as obras da lei mesmo sem conhecê-la (Rm 2, 14-16).O Espírito vem pela fé e não pela lei (Gl 3, 2). A lei “provoca a ira” no sentido de que revela o pecado, manifesta o que há de pecado no homem e a importância deste para superar o pecado (Rm 4, 15; 5, 20; 7, 9; 2Cor 3, 6; Gl 3, 19). Porque a lei como reveladora do pecado é um instrumento de condenação, e não de salvação.O evento cristão equivale, pois, a uma nova criação (Gl 6, 15); os cristãos morreram para a lei (Rm 7, 4) com Cristo (Gl 2, 19), e, como Cristo é o novo Adão (Rm 5,15-19), a velha criação foi superada, tornou-se ultrapassada (Rm 10, 4).A lei, pela revelação que faz do pecado, trouxe uma condenação; ninguém está sujeito a ela (Gl 3, 13). Portanto, o destino da lei não era o de salvar o homem, mas de conduzi-lo a Jesus, o salvador; a lei era o pedagogo que levava as crianças à escola. Quando a criança atinge a maioridade, o trabalho do pedagogo termina. Aqui, a concepção que Paulo tem da lei atinge uma síntese.Paulo repete a palavra em que Jesus reduzia toda a lei ao mandamento do amor (Gl 5, 14). Da mesma forma, como um rabino experimentado, ele cita oportunamente a lei para ilustrar algum ponto, seguindo a maneira usada nas discussões rabínicas (1Cor 9, 8; 14, 21-34).A lei é freqüentemente mencionada em Hb, mas a ênfase recai sobre a lei natural e cultual, que explica a dignidade e a função do sacerdócio. O sacerdócio de Jesus é apresentado e explanado como um sacerdócio de Israel. Também aqui é aplicado o princípio da insuficiência da lei (Hb 7, 11.18s; 10, 1).
P.S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 04/09/2005.
A lei em Tiago e em João
A antítese bem conhecida de Tiago não é um contraste entre a fé e a lei, mas entre a fé e as obras (Tg 2, 14-26).A sua epístola é dirigida às “doze tribos da Diáspora” (Tg 1, 1), que são os cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano. O corpo da carta confirma que esses destinatários sejam convertidos do judaísmo.Ele as inspira na literatura sapiencial, para dela extrair lições de moral prática. Mas depende profundamente dos ensinamentos do evangelho, e seu escrito não é puramente judaico.Na epístola encontram-se o pensamento e as expressões prediletas de Jesus. Tiago é um sábio judeu-cristão que repensa as máximas da sabedoria judaica em função do cumprimento que elas encontraram na boca do Mestre.Seu primeiro assunto exalta os pobres e adverte severamente os ricos (Tg 1, 9-11; 1, 27-2, 9; 4, 13 – 5, 6): esta atenção para com os humildes, os favorecidos de Deus, prende-se à antiga tradição bíblica e de modo todo especial às bem-aventuranças do Evangelho (Mt 5, 3+).O segundo tema insiste na execução das boas obras e acautela contra a fé estéril (Tg 1, 22-27; 2,14-26).Para Tiago, o Evangelho é uma nova lei, uma lei perfeita de liberdade (Tg 1, 25). Seria falsa uma concepção da liberdade cristã que admitisse não haver obrigações impostas pela lei aos cristãos; deve-se obedecer a toda a lei (Tg 2, 8-11; 4, 11s). Tiago evidentemente não quer dizer com isto a Torá inteira; segundo Jesus e Paulo, a “lei régia” está reduzida ao único preceito do amor (Tg 2, 8), e para os cristãos ela inclui todas as obras da lei que o amor requer.O evangelho de João distingue-se dos outros evangelhos por numerosos traços: milagres que eles ignoram, como o milagre da água transformada em vinho em Caná (Jo 2, 1-12) ou a ressurreição de Lázaro (Jo 11, 1-44), longos discursos, como o que vem depois da multiplicação dos pães (Jo 6, 26-58), cristologia muito mais evoluída, que insiste particularmente sobre a divindade de Cristo (Jo 1, 1; 20, 29).Importa a João mostrar o sentido de uma história, que é tanto divina quanto humana, história e também teologia, que se desenvolve no tempo, porém mergulha na eternidade.Ele quer contar fielmente e propor à fé dos homens o acontecimento espiritual que se realizou no mundo pela vinda de Jesus Cristo: a encarnação do Verbo para a salvação dos homens.Os milagres contados são “sinais” que revelam a glória de Cristo e simbolizam os dons que ele traz ao mundo (purificação nova, pão vivo, luz e vida).João relata duas discussões sobre o sábado, mas a questão da lei não é importante para ele; as divergências dão oportunidade às discussões que as seguem (Jo 5, 16ss; 9, 14). Para João, a lei é a revelação (Jo 1, 17). Ela é uma revelação que fala de Jesus e de seu testemunho (Jo 1, 45; 5, 39s). Jesus recorre à lei como um argumento em favor dele próprio (Jo 8, 17; 10, 34; 15, 25). Diante da breve alusão em 1, 17, vê-se claramente que João concebe Jesus como a nova lei que vem superar a antiga; e, para expressar isso, ele escolhe o termo legal hebraico que designa a mais solene promulgação da vontade revelada de Deus, a “palavra”.
P.S.: artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 11/09/2005.

Nenhum comentário: